Decreto anti-migrações <br>contestado nos EUA
Milhares de pessoas têm protestado contra as medidas anti-migrações impostas por Donald Trump que estão, igualmente, a provocar fricções na administração dos EUA.
Milhares de pessoas têm protestado contra as medidas anti-migrações impostas por Donald Trump que estão, igualmente, a provocar fricções na administração dos EUA.
A ordem executiva que, entre outros efeitos, suspende por 120 dias a admissão de refugiados (com aplicação indefinida no caso dos oriundos da Síria) e interrompe por 90 dias a admissão de qualquer pessoa que chegue a território norte-americano procedente de sete países de maioria muçulmana (Iraque, Irão, Síria, Líbia, Somália, Sudão e Iémen), foi assinada na sexta-feira, 27, e desencadeou uma onda de protestos em todo o país.
Em dezenas de cidades multidões de populares rejeitaram o reforço da discriminação com base na nacionalidade e religião. Os aeroportos são desde sábado, 28, palco de concentrações em que se vinca a solidariedade para com aqueles que, de um momento para o outro, viram as suas vidas desorganizadas. Muitos têm há anos famílias e negócios nos EUA. Não poucos são desportistas ou artistas que ali exercem actividade, e alguns dos visados foram «vítimas colaterais» (na sua maioria) ou colaboracionistas nas guerras tuteladas pelos EUA, tendo migrado por causa delas.
O pacote anti-migrações imposto por Donald Trump foi a última de uma série de normas que estão a provocar atritos internos e externos, entre as quais o princípio da liquidação do programa de extensão dos seguros de saúde (Obamacare), a derrogação da participação no Tratado Transpacífico, o prosseguimento acelerado da construção de um muro de separação com o México, o fim do financiamento de organizações que defendem a liberdade de optar e facultam a interrupção da gravidez.
Convulsões
Tem sido porém o garrote fronteiriço a gerar o mais amplo repúdio, mesmo no seio do aparelho político-judicial e corporativo dos EUA. O combate ao terrorismo é o argumento do 45.º presidente dos EUA, mas um ex-director da CIA veio lembrar que entre os interrogados pelo FBI, no ano passado, por suspeitas de ligação ao Estado Islâmico, 85 por cento eram cidadãos norte-americanos.
Anteontem, a Casa Branca designou um procurador-geral interino para substituir Sally Yates depois desta ter ordenado ao Ministério Público que não defendesse a administração Trump em matéria de migrações. Os diplomatas que se insurgiram estão avisados que «ou alinham ou vão embora», e os 16 procuradores estaduais que atacaram as restrições à entrada de refugiados e imigrantes estão aparentemente «marcados».
No mundo dos negócios, dois grandes bancos e várias multinacionais da restauração e das novas tecnologias da informação, da comunicação e do entretenimento, defenderam a liberdade de preservar e captar trabalhadores e «talentos», independentemente das sua nacionalidade.
Além fronteiras, Londres foi palco de uma grande manifestação contra a visita de Donald Trump à Grã-Bretanha. A Organização Internacional para as Migrações e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados alertaram que as necessidades dos refugiados e migrantes nunca foram tão grandes, e realçaram a importância dos EUA neste aspecto. Da mesma diplomacia (não referindo as responsabilidades dos EUA no aumento dos fluxos migratórios globais em resultado de agressões militares de punição e saque e das operações de ingerência promovidas ou patrocinadas por Washington) usou o secretário-geral da ONU, António Guterres, que intervindo no plenário da União Africana, em Adis Abeba, na Etiópia, sublinhou a «grande tradição [dos EUA] na protecção de refugiados».
Sem moral
O governo do Canadá manifestou-se favorável ao decreto presidencial que desbloqueou a construção de dois oleodutos em território norte-americano (um dos quais beneficia o «país dos plátanos»), mas criticou a recente política migratória da Casa Branca. No domingo, 29, um estudante canadiano matou seis pessoas e feriu outras dezassete numa mesquita no Quebeque. Foi a primeira acção violenta animada pelo agravamento de uma política que manipula sentimentos primários e explora o racismo e a xenofobia. Mas erigir, agora sem máscaras, como política oficial dos EUA o repúdio pela diferença e a intolerância, e a penalização de um conjunto heterogéneo de pessoas – e mesmo de povos inteiros – atribuindo-lhes as ideias e condutas de uma fracção que as não representa, pode vir a provocar mais e maiores danos.
As autoridades canadianas desdobram-se em declarações vincando que não vão discriminar aqueles que sejam impedidos de entrar nos EUA em virtude do seu credo ou da sua origem. Salientam que tal corresponde à convivência multicultural sedimentada no país, o que, em rigor, traduz uma falsa moral. Ainda há duas semanas o gabinete de medicina legal do Quebeque acusava as autoridades de serem responsáveis pela vaga de suicídios numa comunidade indígena ao perpetuarem o regime de apartheid a que os nativos estão votados há 150 anos.
Em Itália, o ministro dos Negócios Estrangeiros transalpino afirmou o óbvio ao assinalar a discrepância entre as palavras e os actos da União Europeia e da generalidade dos dirigentes dos seus países-membro quando criticam Donald Trump. «Será que queremos esquecer que também nós, na Europa, erguemos muros [aos refugiados]?», questionou em entrevista ao Corriere della Sera.